O sorriso do ex-mãos de tesoura 28/07/2015
- Carlos Brickmann - Observatório da Imprensa
Lembrando uma ótima piada, o especialista explicava que a hiena comia mal, dormia mal, mantinha relações sexuais uma vez por ano.
Um espectador perguntou: “De que ri o animalzinho?”
Joaquim Levy achava essencial cortar quase R$ 70 bilhões de despesas (mas o governo não cortou nenhum dos 113.540 funcionários sem concurso, nem dos 200 mil terceirizados; o Congresso criou despesas novas para a Previdência; o Judiciário tenta um aumentão); e acreditava que o Tesouro deveria gerar superávit primário de 1,1% do PIB, para evitar que a dívida pública subisse mais (obteve 0,15%, e olhe lá, se tudo der certo).
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Mas Joaquim Levy continua no cargo, sempre sorridente.
Estar ministro deve ser ótimo.
Joaquim Levy, o implacável Mãos de Tesoura, não era tão implacável assim.
A meta de superávit, que ele fixara em R$ 66,7 bilhões (com precisão de algarismos depois da vírgula), ficou em R$ 8,5 bilhões.
Pode virar déficit.
Merreca.
Nada comparável a ter Excelência antes do nome e carro com chapa de bronze.
Na verdade, a farra de gastos começou antes de Dilma, de Lula, antes até de Fernando Henrique.
Como demonstraram os professores Samuel Pessoa, Marcos Lisboa e Mansueto Almeida, a despesa pública no Brasil sobe mais do que a receita desde 1991.
Não foi Joaquim Levy que elevou as despesas.
Mas, com o risco de perda do grau de investimento (que joga o dólar para cima e faz com que os juros pagos pelo Brasil no Exterior se multipliquem), caberia a ele a tarefa de começar a botar ordem na casa.
E não é que parecia o homem certo para isso?
Nova pergunta
Talvez a questão inicial seja errada. Talvez se deva perguntar de quem ele ri.
O poço sem fundo
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, certamente tem muitos defeitos. Mas burro não é; e tem fama de estudar os assuntos antes de falar sobre eles.
Cunha faz oposição ao governo, mas não se arriscaria a uma bobagem que em pouco tempo se tornaria óbvia.
Diz que não vai haver superávit, não: haverá déficit.
Déficit leva o país a perder o grau de investimento -- a fama de bom pagador.
O fundo do poço
Mas o caro leitor deve tranquilizar-se: segundo o ministro Joaquim Levy, a situação “parou de piorar”.
Na opinião de Sua Excelência, portanto, já chegamos ao fundo do poço.
Agora é torcer para que o governo não jogue terra em cima.
Mas a festa continua
Todos concordam: é preciso conter despesas oficiais, certo?
1 - O Senado aprovou a criação de 200 novos municípios.
Mais prefeitos, vereadores, assessores.
No total, calcula-se algo como 15 mil gulosas boquinhas.
2 - A Câmara Federal reservou R$ 789.800,00 para alugar carros que servirão aos deputados neste segundo semestre.
Motoristas e combustível à parte.
3 - A Assembleia Legislativa de São Paulo abriu licitação para comprar 56 carros, que servirão a Suas Excelências.
Os carros serão obrigatoriamente sedãs, com transmissão automática e ar condicionado, quatro portas, motor de no mínimo l.800 cm³ e 140 cavalos.
E custarão pouco menos de R$ 5 milhões de dinheiro público.
A abertura dos envelopes da licitação está prevista para amanhã.
4 - Twitter do senador Roberto Requião, do PMDB paranaense:
“Departamento jurídico de Itaipu contratou filho de Cedraz para defender a usina na questão de ser ou não fiscalizada pelo TCU. PQP!”
Refere-se ao advogado Tiago Cedraz, filho do presidente do TCU, Aroldo Cedraz.
5 - Mas, em 2 de junho, o psicólogo e ex-deputado Maurício Requião, irmão do senador Requião, foi nomeado por Dilma para o Conselho de Itaipu.
São R$ 20.800,00 por mês para participar de seis reuniões por ano.
6 - Ao lado de Maurício Requião, está no Conselho de Itaipu o tesoureiro nacional do PT, João Vaccari Neto.
Foi nomeado em 2003 pelo presidente Lula, e de lá para cá recebeu sucessivos mandatos.
O atual termina em maio de 2016.
Desde 2010 Vaccari enfrenta processo por acusações de desvio de recursos da Bancoop, cooperativa habitacional dos bancários, que presidiu.
De acordo com o Ministério Público, responde por estelionato, falsidade ideológica, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
Mesmo assim, foi reconduzido em 2012.
Neste momento, por motivos de força maior, não pode comparecer às reuniões.
Tudo tem motivo
É por essas e por outras que a popularidade de Dilma, que já está abaixo da inflação, caminha rapidamente na direção de ficar menor que o pibinho de 2015.
Onde há crescimento
Um grande jornal impresso noticiou discretamente o crescimento do número de meses contido em cada ano (deve ser algum viés contra o governo, este de não dar destaque à expansão em algum setor).
Diz a reportagem, sobre a compra do jornal britânico Financial Times para o grupo japonês Nikkei, que a transação ainda tem de passar pelo cumprimento das formalidades legais.
O negócio será concluído, segundo a notícia, apenas “no quarto quadrimestre de 2015″.
Como nunca dantes neste país, já em 2015 haverá pelo menos quatro quadrimestres, ou 16 meses.
Os funcionários do jornal deveriam receber 16 salários.