Parto humanizado: modismo perigoso? 31/07/2015
- Blog de Rodrigo Constantino - Veja.com
Por algum motivo que me escapa, muita gente romantiza o passado distante, idealiza a natureza, sonha com uma espécie de retorno ao Jardim do Éden, onde tudo fluía com maior espontaneidade, o homem tinha mais contato com o natural, o mundo era mais verde e lindo.
Quem pensa assim nunca passou mais de dez minutos na selva, numa floresta natural, rodeada por bichos assustadores e mosquitos insuportáveis.
Normalmente, os que imaginam o futuro como em “Avatar”, os “progressistas” que atacam a ciência e querem resgatar a Idade das Pedras, defendem essas ideias do conforto do ar condicionado em alguma cidade grande, e seu único contato com a “natureza” é num “workshop budista” no fim de semana em Angra ou na serra, como ironiza Luiz Felipe Pondé.
PUBLICIDADE
O mundo “natural” não era nada fácil, não tinha moleza.
E, claro, crianças morriam como moscas!
Durante séculos a expectativa de vida da humanidade foi muito baixa.
O principal fator era a enorme mortalidade infantil, inclusive no parto.
Quase metade das crianças não completava cinco anos até poucos séculos atrás, antes do advento do Iluminismo, da Revolução Industrial, do capitalismo.
A ciência veio salvar milhões de vidas, permitir a sobrevivência de milhões de pessoas que, no passado, teriam morrido por falta de conhecimento científico.
É nesse contexto que comento a moda do tal “parto humanizado”.
A ideia, a princípio, parece interessante: a gestante ter um momento mais íntimo com o bebê, estar em ambiente mais tranquilo, familiar, com os amigos em volta... ops!
Calma lá!
Já começamos a ter problemas.
Que história é essa de amigos na hora do parto, como se fosse um agradável queijos e vinhos?
E a intimidade do casal?
Falar em intimidade na era das redes sociais talvez seja algo careta, mas, sei lá, devo ser um careta mesmo, pois ainda considero o banheiro com portas uma das grandes invenções da humanidade.
Parto “humanizado” não é o mesmo que parto normal, e que há controvérsias sobre o que significa exatamente esse troço, mas alguns mais radicais levam a um extremo que pode ser traduzido da seguinte forma: um ataque ideológico e raivoso ao parto “desumanizado”, ou seja, à cesária num hospital.
Parteira e amigos, tudo ao “natural”, seria um “parto humanizado”, enquanto médicos, corte na barriga e hospital seria um parto “frio”, “desumano”.
Rola aí, é inegável, um preconceito contra a ciência.
Não deixa de ser curioso ver muitas feministas endossando o “direito de escolha” da mulher, inclusive para fazer aborto como se cortasse a unha ou o cabelo (e depois as partes do feto são vendidas, como escândalos recentes comprovaram nos Estados Unidos), e logo depois demonizando as mulheres que escolhem ter um parto por cesariana, como se isso fosse em absurdo, um ato “invasivo” do médico, uma crueldade com o filho.
A liberdade de escolha da mulher acaba jogada no lixo nessa hora.
O ponto que quero destacar aqui é o de que essa mania pode ocultar um verdadeiro desprezo pelo progresso da humanidade.
Cheguei a escrever um breve comentário em minha página do Facebook que gerou bastante polêmica:
Essa coisa ridícula de “parto humanizado” é mais uma prova de que o “progresso” dos “progressistas” leva a humanidade de volta ao estado animalesco, condenando todo o verdadeiro progresso científico.
Minha cadela, por essa fantástica “lógica”, teve um parto mais “humanizado” do que todas as mulheres que pariram num hospital em segurança e com sua intimidade preservada.
O futuro “progressista” é sombrio!
E eis o cerne da questão: nada contra quem acha que fará alguma diferença para o filho nascer numa banheira por uma parteira em casa.
Mas é preciso ter cuidado com o viés anti-científico!
É preciso tomar muito cuidado com os ataques preconceituosos aos avanços medicinais, como se tudo “natural” fosse melhor.
Abraçar uma árvore e aplaudir o pôr do sol é uma coisa; abrir mão da penicilina ou escovar os dentes com cúrcuma é outra, bem diferente!
Após minha postagem, recebi mensagens de médicos interessados em divulgar mais o conhecimento científico para combater o preconceito “natureba”. Uma dessas médicas escreveu o seguinte:
A humanização do parto em si (não o projeto do energúmeno do Jean Wyllys) é uma coisa boa, envolve maior respeito às mulheres e algumas outras alterações na forma como o parto era conduzido aqui no país.
No entanto, as ativistas estão extrapolando e muito os limites da segurança para o parto normal.
Mortes (principalmente de bebês, mas também de mães) estão acontecendo diariamente.
Essas mortes são abafadas rapidamente pelas ativistas e principalmente pelas principais responsáveis pelo movimento.
Na sua maioria são pessoas ligadas ao governo e militantes do PT.
Como você pode imaginar, são capazes de TUDO (desde incentivar as mulheres a mentir até roubar prontuários e falsificar documentos do bebê e atestados de óbitos) para abafar os casos negativos.
Eu posso imaginar.
Na verdade, não preciso: eu conheço essa gente, e são mesmo capazes de tudo.
O problema, aqui como alhures, é que o pêndulo exagerou para o outro lado.
Uma ideia que começa interessante, simpática, acaba transformada em seita fanática pelos ativistas radicais.
Foi assim com o próprio movimento feminista, o movimento racial, o movimento gay, o ambientalismo etc.
E eles têm, também, um denominador comum, que explica a atração de muitos “progressistas”: servem para atacar o homem branco heterossexual cristão ocidental capitalista.
Notícias como essa, de uma enfermeira que tentou fazer o parto em casa por 48 horas e acabou morrendo, raramente se tornam manchetes de capa nos jornais.
Não se trata de um caso isolado.
Na verdade, o Ministério Público resolveu investigar a segurança dos partos domiciliares no Distrito Federal por conta dos vários relatos de morte.
Será que as aventureiras têm consciência dos riscos?
Ou acham que é só deixar a coisa fluir, como se no passado isso fosse simples assim, e não um momento de extremo risco e tensão?
Quando a decisão é individual, não há muito o que fazer, apesar de envolver uma terceira vida, no caso.
Mas e quando essa ideologia “natureba” acaba sendo imposta?
A notícia divulgada no G1 gerou a revolta dos ativistas, que partiram para ofensas e ataques, mas coloca o dedo na ferida: hospitais estariam preterindo a cesária.
“Funcionários da maternidade insinuam que, por conta do alto preço da anestesia, o parto normal acaba sendo imposto às mães”, diz a reportagem.
Quando a ideologia se une ao bolso, sai de baixo!
Os “progressistas” acabam incentivando uma economia porca que coloca vidas em risco.
Fica o alerta, portanto: cuidado para não “humanizarem” demais as coisas a ponto de o homem voltar a ser uma besta animal, desprezando todo o acúmulo de conhecimento científico que traz mais conforto, segurança e qualidade de vida.
Ir à praia de nudismo de vez em quando para se sentir um “bom selvagem” de Rousseau tudo bem, não causa estragos permanentes (é apenas ridículo); agora, brincar com a vida do próprio bebê por preconceito ideológico já é algo bem diferente.
Que os “naturebas” mais fanáticos desliguem o ar condicionado no auge do verão carioca, mas não resolvam protestar contra a ciência no momento do parto de seu filho!