Me engana que eu gosto 30/08/2015
- Ferreira Gullar*
Vou hoje comentar o discurso que Lula fez na abertura da Marcha das Margaridas, em Brasília, há algumas semanas.
Apesar do atraso com que o faço, parece-me oportuno comentá-lo pelo caráter exemplar da maneira como, ele, ex-presidente da República, manipula os fatos da realidade nacional.
A tal marcha foi organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), certamente por iniciativa de Lula, visando pôr em prática o conselho que tem dado a Dilma para enfrentar sua crescente impopularidade.
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Na sua opinião, ela deveria ir para as ruas mobilizar o povo contra os adversários.
Sucede que onde ela aparece é vaiada.
Logo, para "falar às massas", terá de fazê-lo em recinto fechado, como tem feito ultimamente.
A Marcha das Margaridas começou na rua quando Lula discursou -- mas foi solidar-se com Dilma dentro do Palácio do Planalto, longe do povo.
Ali, devidamente protegida, disse o que sempre diz, isto é, que as dificuldades são passageiras, pois se trata apenas de uma travessia.
Já o discurso de Lula merece ser comentado, por ser exemplo da versão que ele (e o PT também) apresenta dos fatos políticos e particularmente das sucessivas denúncias que têm vindo a público com as delações feitas pelos sócios do governo petista nas propinas.
Ele começou o discurso pedindo compreensão para os erros do governo, mas logo em seguida afirmou que a responsabilidade da crise não cabe à presidente Dilma Rousseff.
Diz isso para depois admitir que ela erra, mas erra como todo mundo e, por isso, devemos ter compreensão com seus erros.
A essa altura, quem o ouvia certamente se perguntava, afinal das contas, se Dilma errou ou não errou.
Mas o objetivo era exatamente esse: confundir o pessoal.
Logo depois, mudou o tom de sua fala, alegando que "este é o momento de a gente levantar a cabeça e dizer para a companheira Dilma que o problema, pelo qual o país está passando, não é só seu, é nosso".
Ou seja, a culpa é de todos.
Portanto, "se ela errar -- porque todo mundo erra -- temos de levar em conta que ela é nossa e temos de ajudá-la a consertar".
O discurso é uma descarada embromação.
Se o país está em crise, a culpa não é de Dilma, mas teríamos todos de ajudá-la a consertar o erro, ou seja, como ela é nossa, "vocês terão de apoiá-la a qualquer custo".
Sim, porque, se os próprios petistas se convencerem de que Dilma levou o país ao impasse por incompetência, a culpa será dele, Lula, que a fez presidente da República.
Por essa razão, mais uma vez, há que enganar os que ouvem seu discurso, deliberadamente confuso e embromatório.
Mas nisso Lula é mestre, e o ensinou a seus auxiliares imediatos.
A verdade, porém, é que essa conversa de Lula só engana quem quer ser enganado.
De qualquer modo, com a inflação crescente, os preços todos subindo e o desemprego aumentando a cada dia, não é possível, mesmo para Lula, descomprometido com a verdade, afirmar que está tudo bem.
Por isso, forçado a reconhecer que a coisa vai mal, transforma Dilma em vítima.
Mas sua desconsideração com a verdade não tem limites, pois chega a afirmar que ele também já passou por situação semelhante, em 2005, quando tentaram contra ele o impeachment e "só levantei a cabeça graças a vocês".
Tudo mentira, já que, naquela ocasião, ninguém tentou derrubá-lo, nem havia crise econômica ou política, como agora; o que havia era o escândalo do mensalão, quando ele e sua turma usaram dinheiro público para comprar deputados.
A falcatrua foi comprovada e seus principais auxiliares -- José Dirceu, Genoino e Delúbio Soares -- foram condenados pelo Supremo Tribunal Federal.
Ele, Lula, esperto como sempre, escapou dessa e, apesar disso, em vez de se envergonhar do que fez, apresenta-se como vítima de uma conspiração que visava derrubá-lo.
Segundo ele, o mesmo se tenta agora com a Operação Lava Jato.
Tudo conspiração da elite branca contra ele e seus comparsas, os defensores dos pobres que, de tanto defendê-los, ficaram ricos.