Por mais que a decisão a ser tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à descriminalização do porte de drogas pareça bem encaminhada, não se deve desprezar o poder de pressão de setores da sociedade que defendem a preservação do entendimento de que esta é uma questão meramente policial.
Ou seja, a ser tratada no âmbito de ações e políticas comprovadamente estéreis, que, longe de atenuar o problema, mais o agravam.
A primeira tentativa de levar a cabo a votação do recurso extraordinário que argui a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343 (que baliza os procedimentos legais nos casos de prisão por porte de entorpecentes) foi interrompida por um pedido de vista do ministro Edson Fachin.
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O relator da ação, ministro Gilmar Mendes, já deixou consignado o voto, condenando os aspectos subjetivos de uma legislação que, preliminarmente, criminaliza e estigmatiza o consumidor, e chamou atenção para a perigosa circunstância de que, da maneira como a lei vem sendo aplicada, ferem-se princípios constitucionalmente assegurados, como o direito à vida privada e à autodeterminação.
A votação será retomada em setembro. Nela, estará em pauta muito mais do que a definição sobre a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas.
O que o STF decidirá é se o Brasil tomará um caminho mais realista na abordagem de um flagelo que, enfrentado preferencialmente com políticas de cunho policial-militar, tem produzido, nos países que recorrem a essa anacrônica opção, números de um drama em que se misturam o incremento do vício (e das mazelas sociais que disso derivam) e a potencialização da violência, em geral decorrente da criminalidade cevada pelas quadrilhas que controlam o tráfico dessas substâncias.
Adotar um protocolo mais conectado com a realidade da guerra contra as drogas passa pela reorientação das ações de política pública, delas afastando o viés unicamente policial e, em lugar disso, adotando uma abordagem no âmbito da saúde pública, com redução de danos (tratamento contra o vício, acolhimento de consumidores crônicos que assim desejarem e iniciativas de desestímulo ao consumo) e, aí sim, o endurecimento da lei contra o tráfico.
Passa, também, por uma questão mais abrangente, mas ligada a outro flagelo social: a superlotação dos presídios, onde, numa população quase três vezes maior que o número de vagas, o número de detentos por porte de drogas é significativamente grande.
Por fim, a decisão do STF, que, se espera, há de ser no sentido da racionalização da política de drogas, será um balizador para outro avanço na legislação: a definição, no campo da saúde pública (ou seja, com base em evidências científicas), de uma quantidade a partir da qual se poderá marcar com segurança, por objetiva, a linha divisória entre consumo e tráfico.
São, como se vê, desafios que a Corte precisa mostrar que está à altura de enfrentar.