Uma forma interessante de apresentar os fenômenos fiscais no nível federal é reduzi-los a porcentagem do PIB nominal, mas sua interpretação exige alguns cuidados.
Outro dia, um ilustre membro do Poder Judiciário afirmou que "as despesas com salários da União têm diminuído: eram 4,4% do PIB em 2003 e caíram para 4,0% em 2014".
A afirmação é, aritmeticamente, correta, mas será correta a sua conclusão?
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Obviamente não! Entre 2003 e 2014, o PIB real per capita cresceu de 100 para 147, ou seja, 2,6% ao ano. Ora, 4,4% de 100 é 4,4 mas 4% de 147 é 5,9!
Em termos físicos, isto é, em unidades do PIB composta pelo valor adicionado da miríade de coisas produzidas, consumidas, investidas, exportadas e importadas, o montante de salários reais pagos cresceu aos mesmos 2,6% ao ano!
Talvez seja a hora de reconhecer que a abstrata medida (% com relação ao PIB nominal) esconde importantes informações sobre o que realmente está acontecendo.
Podem induzir a diagnósticos precários e recomendar políticas econômicas equivocadas. Por exemplo, entre 2003 e 2008 (com alguma ajuda externa), o PIB cresceu à taxa de 4,7% ao ano (de 100 para 126) e a receita líquida federal em termos físicos, a taxa de 6,6% ao ano (de 17,2 para 23,7), o que significa que, na margem, o governo federal se apropriou de 25% do aumento da renda produzida.
Um rápido crescimento mais um aumento tributário, lhe deu eventual conforto fiscal.
A situação piorou entre 2008 (a crise bancária da Lehman Brothers) e 2010.
O crescimento médio do PIB caiu para 3,5%, a receita líquida federal cresceu 1,5% ao ano, mas a despesa líquida 6,2%, o que produziu uma rápida deterioração fiscal.
Em 2011, no primeiro ano de mandato, Dilma atacou o problema. O PIB cresceu 3,9%, a receita livre cresceu 8,2% e a despesa líquida, apenas 2,6%.
Restabeleceu-se, assim, o nível de comodidade fiscal equivalente ao que existiu em 2003-2008.
A partir de 2012, entretanto, o governo se perdeu e assustou os empresários com um ativismo intervencionista prepotente que prejudicou a volta do dinamismo da economia.
A consequência foi que, de 2011 a 2014, o PIB cresceu apenas 4,3%, a receita líquida ficou praticamente constante, mas a despesa líquida cresceu 15%, arruinando as finanças públicas e ameaçando a estabilidade da relação Dívida Bruta/PIB.
A proposta de solução revela um impasse: um aumento de imposto, o que a sociedade rejeita ou um corte de despesas, o que o governo acha impossível.
Ambos estão errados, obviamente!
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*Ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), é economista e ex-deputado federal. Professor catedrático na Universidade
de São Paulo.