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comTEXTO : Acerto de Contas
Representação fictícia de fatos reais
25/08/2005- Talvani Guedes da Fonseca
CAPÍTULO CCLVII
¨Levará anos até que a esquerda admita, se é que algum dia terá a coragem de admitir, que, desde a chegada do alemão, ela não fez absolutamente nada. Sabe? Outro dia minha mãe deixou na minha rede um papel com uma transcrição de Machado de Assis, o melhor autor literário brasileiro de todos os tempos, não sei se copiado de ´Esaú e Jacó´ ou ´Memorial de Ayres´, mas era um trecho que dizia que ´o tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo´...
...¨Habla de esto Machado de Assis, por favor¨...
...¨Minha mãe tem várias obras dele, posso emprestar. Joaquim Maria Machado de Assis foi o maior contista brasileiro. Era um mulato, tímido, gago e epiléptico, filho de um pintor e uma lavadeira, nascido 50 anos antes da abolição da escravidão, num morro do Rio de Janeiro, o Livramento, que ´cresceu naturalmente, como crescem as magnólias e os gatos´, igual a um dos seus personagens mais ricos, Brás Cubas. Começou como tipógrafo e terminou presidente da Academia Brasileira de Letras, fundada por ele. Sejam contos ou romances, seus textos são universalmente fantásticos! Karl Marx considerava o conto ´A obra prima inacabada´, de Balzac, síntese da perfeição literária, porque não leu ´Uns braços´, de Machado...
...¨Lo tiene, su mamá?¨...
...Tem sim. Creio que está em ´Contos Fluminenses´. De qualquer modo, retomou o assunto do passado...
...”Vou continuar lutando pelo meu sonho, a democracia prometida em outubro de 1975. Sinto-me bastante útil, ajudando. Quando a democracia chegar, aí, sim, que d(eu)s ajude o Brasil, pois o resultado pode ser catastrófico!¨...
...¨Que tienes en cuentra la izquierda?¨...
...¨É imediatista, pretensiosa, como qualquer pequeno-burguês de classe-média não está, nunca esteve nem nunca estará pronta para compreender as mudanças. No entanto, pensa que é por causa dela que as mudanças estão acontecendo, e seu despreparo causará danos ao povo e ao país¨...
...¨Por que, amor?¨...
...¨Porque, quando os militares voltarem aos quartéis, ela será oposição, a ´vanguarda´. Acompanhei de perto o processo de ´distensão´, agora entramos no de ´abertura´, e fui um dos poucos a assistir ao domínio da linha dura entrar em colapso. Sei perfeitamente aonde tudo isso vai dar. Está publicado. Não tenho nenhuma desonra, pelo contrário, e se não desisti até agora, é porque meu dever é continuar. Nunca ninguém veio falar comigo sobre isso e nas raras vezes em que me procuraram, e ainda procuram, é bom que se diga, o que desejam? Informação ou algum alívio para seus temores ou para tentar saber alguma coisa do poder, se havia ou há alguma conspiração nova, e enfim, para tentar saber se o processo continua e se não há risco de algum retrocesso. Não entendem que eu quero ser o que sou, não o que faço; que quero ser aceito pelo que sou. A esquerda detesta correr riscos. Ninguém previu a transformação pacífica que estamos vivendo e ela demorou muito para concluir que a transição brasileira é para valer e é diferente, um modelo pacífico de moderação e, agora, precisa correr. O que sei é que quem me condenou, hoje assiste, calado, a história que se recusaram a fazer sendo feita... pelos militares. Estão só esperando a hora de sair às ruas, e, então, dirão, na maior cara de pau, que a esquerda afrontou o regime militar, que levantou as massas, que conquistou a democracia¨...
...Ao vê-lo pouco a pouco se transtornar, o rosto crispar-se e o súbito tremor nas mãos, nervosas e agitadas enquanto discursava, Isabel aproximou-se e disse, alisando-lhe as costas...
...¨Acalma-te, deita-te aqui, comigo¨...
...¨Agora, não posso. Deixa-me falar. Todo mundo sabe que liberdade e autonomia não caem do céu e esta que está acontecendo no Brasil não resulta de ações da esquerda, Igreja ou intelectuais! Quem as concede, quem as está concedendo são alguns anônimos de farda e sem farda. Tudo o mais é consequência. Parece que todos os nossos sonhos estão se realizando. Assim como não vejo a hora de a verdade vir a tona, não me arrependo do que fiz, e não é porque o que está feito não pode ser desfeito, é porque assumi um compromisso com a fé revolucionária e vou até o fim, até onde puder; se tivesse sabido o que me esperava, talvez ficasse longe disso tudo¨...
...¨Isto é quase como a morte, não?”...
...”Farias tudo, de novo?¨, perguntou Isabel, e ele, passando as mãos no seu rosto, respirou fundo e, muito calmo, continuou...
...¨Não se pode repetir o passado, e eu não pedi por isso, mas faz muito tempo que estou calado. Permaneci quieto, agüentei. Sofri? É duro ver quem você ama, escapando de você. Claro, levei bastante tempo para superar, sofri, sofro, atormenta-me algum remorso em relação a meus filhos, minha família, meus amigos, que estão sempre presentes em meu pensamento, a todo o momento estão comigo, porque sabem que tudo o que fiz foi por amor, que nunca tive intenção de magoar ninguém. Simplesmente, eu nunca os deixaria. Subestimei demais a minha capacidade de ser frio e, no fim, eu sou a própria vítima do meu crime, se é que cometi algu, no entanto, sofro a conseqüência pior, esse afastamento e o que ele passam, mas, ao mesmo tempo, sei que são eles que me dão forças para seguir vivendo. Só vejo o rosto deles e, como dizem vocês, eu sigo sendo um revolucionário, a cada instante e continuamente. Não passa um dia sem que sejam lembrados, e isso continua me incomodando; não há um dia em que eu não veja os rostos deles. É muito difícil conviver com isso, não passa um dia sem que eu pense nessas duas criaturas maravilhosas que vivem dentro de mim, meus dois filhos. Certamente, ainda não fiz tudo o que tinha que fazer, mas eu sei que a democracia e que nela será possível seguir no rumo do socialismo. Pois é, até aqui, consegui fazer o que tinha que fazer, mas o custo está sendo muito alto, por isso não quero olhar para atrás, talvez porque cada lembrança sejam feridas na consciência, nunca cicatrizam, e quase tudo volta, me fazendo sentir as minhas infinitas limitações, principalmente como pai, e isso me doi muito. Eu espero que eles e a mãe estejam felizes. Faço tudo para permanecer o mais perto possível, mas não posso recompensá-los pelo que fiz e se olho para atrás, é só para lembrar que não arrisquei minha vida e a das pessoas que amo, em vão, que teve um sentido tudo o que fiz. E vou levar isso até o fim¨...
...Parou um pouco, Isabel estava quieta, tensa, e então ele completou...
...¨Sabe, Isabel, eu sempre preferi seguir uma máxima de Antonio Gramsci, pensador italiano, comunista, que é preferível ser o guia de si mesmo, ter como iluminador a própria consciência crítica”... Se mantive-me fiel à dialética, quando todos deram as costas, se não me deixei seduzir nem me afastei da praxis, em troca de uma coisa que ninguém vê nem quer entender, destruí todas as coisas boas que tinha. Foi terrível? Foi; no entanto, eu não poderia fazer diferente, senão trairia a idéia, de alguém que sempre viveu o momento; afinal, nunca lutei por algo pessoal, para mim. Todos sabem disso¨.
CAPÍTULO CCLVIII
¨Esta dor não poderia ser evitada, não é?... Pero, no entiendo como puedes seguir sentindo culpable... Tu superarás eso¨...
...¨Não é culpa. É duro alguém saber que seus filhos sofrem por algo que poderia não ter acontecido. Se pensasse neles primeiro, tudo teria sido diferente porque, honestamente, nunca foi minha intenção deixá-los. Mesmo sabendo o quanto é difícil viver quando todos de quem você gosta estão longe, se fosse necessário, por mais doloroso que pudesse ser, eu faria tudo novamente! Se pudesse voltar no tempo e fazer tudo de novo, eu faria, porque acredito no povo brasileiro e quero viver, continuar vivendo, não importa como; simplesmente viver, para ver no que vai dar. Sei que levei muita dor à muita gente que me ama, mas não perco a esperança. Só tenho um medo, meu pensamento recorrente, e é dos civis, dos aventureiros e aproveitadores do acaso, de plantão, sempre prontos para entrar na história. Sempre há aventureiros e aproveitadores. Staline, por exemplo, era um bolchevique de primeira hora, e, no entanto, atrapalhou o mundo, só fez mal. Quando Lenine estava quase morrendo, Staline não avisou a Trotsky e, num golpe, assumiu e Secretaria Geral do Partido. Trotsky era preparado, um respeitado intelectual e teórico marxista. Ele sabia que a revolução só sobreviveria se o operariado dos países vizinhos tomassem o poder. Staline, um nome que em russo quer dizer homem de aço, era um terrorista que assaltava bancos e que, ao chegar no poder, mostrou sua verdadeira face, a de quem queria uma revolução socialista apenas na Rússia, o socialismo em um único lugar, em um só país, desistindo da revolução internacional¨...
...¨Não era Trotsky quem defendia uma revolucão permanente? Vi um filme sobre ele, com Alain Delon¨...
...¨Sim, era Trotsky, mas Staline exigiu que os partidos comunistas do mundo inteiro se subordinassem a ele, uma utopia! Ao contrário de Lenine, que seguia a doutrina materialista usando o dialético, que o tornava capaz de esperar para só agir no momento certo, Staline era um despreparado. Lenine sabia esperar o momento certo. Por exemplo, só reuniu os territórios que antes pertenceram ao Império Russo e criou a URSS, em 1922, cinco anos depois da revolução. Enquanto isso, Trotsky organizava o Exército vermelho e ele próprio, Lenine, para vencer impasses, numa audácia inesperada, lançou em 1921 um plano econômico que era um misto de socialismo e capitalismo, com a permissão, inclusive, para a criação de empresas privadas. Lenine sabia o que fazer, exatamente. Não era um despreparado como Staline, que teve a pachorra de expulsar Trotsky do Partido, em 1927, e de mandar assassiná-lo, em 1940. As ambições e falta de hombridade dos despreparados fazem a noção de pátria se diluir no lucro ou na vaidade. Foram quase 30 anos de Staline, e ainda estamos sofrendo por conta dele, pelas distorções causadas com a coletivização forçada das terras, que matou milhões de russos, pela industrialização também forçada, pelo plano de não-agrssão que ele assinou com Hitler, dividindo a Polônia, e sobretudo pelos processos de Moscou, de 1937, que levou à morte a maioria dos dirigentes bolcheviques, o que facilitou em muito o avanço nazista¨...
...¨Que houve com ele?¨...
...¨Somente em 1956, no XX Congresso do PCURSS, Nikita Krushev, seu auxiliar e sucessor, denunciou oficialmente os crimes cometidos por uma fera que falava em nome do socialismo! Se eu tivesse um d(eu)s igual ao seu, Isabel, desses que não existem mas justificam tudo, eu pediria, todos os dias, livrai-nos dos despreparados, dos padres e dos frades, para que no futuro se sofra menos¨...
...¨Pero, está todo bien com ellos, sus hijos?¨, perguntou Isabel...
...¨Sim, mas não consigo parar de pensar neles. Ainda assim, pergunto se poderia ser diferente. Eu nada mais fiz do que pregar o nacionalismo e buscar um caminho mapeado pela paz e o socialismo. Não vejo nenhum mal no que fiz, exceto o mal que fiz a mim mesmo. Por posicionar-me ocasionalmente ao lado de um ditador em determinado momento, querem dizer que eu também sou um ditador? Ora, como diz o venezuelano. ´Ni mierda! Yo no lo conozco!´ Mil vezes pior teria sido a queda do alemão. Eu faria tudo de novo. E continuarei a fazer o que puder, contra o imperialismo, sabendo, como soube desde o início, que nada pode ser realizado sem riscos. Desde jovem tomei como missão esta idéia e é esta a minha tarefa, de taifeiro, como disse De Christo, um grande e querido companheiro, que nunca mais vi. Faço a minha parte, cabe aos outros, a cada qual fazer a sua, pois temos necessidade de todos¨...
...¨No lo sé, mi querido. A mí me parece que nadie lo comprende a usted, por acá, en Brasil¨...
...¨Eu sei disso, como sei que todo mundo erra. Como Clim Sanguine, do último romance e o menos conhecido de Gorki, eu digo que tenho medo de ter errado, sim. Vitoriosa a revolução, um bolchevique pergunta...
...´Será que nosso sangue justifica?´ Muda alguma coisa? Quero dizer, Isabel, que lutei de forma eficiente pela democracia, e, inexplicavelmente, sinto arrepios”...
...”Será que a democracia que a esquerda quer é a mesma? Tenho medo. Igual a um menino chato, ´pidão´, a esquerda persiste nos gestos de hostilidade. E eu pergunto, Isabel, como será que ela vai se comportar quando a democracia se consolidar? Que tipo de Constituição ela e a direita farão? A esquerda não tem projeto nem perspectiva alguma. Como disse o meu irmão mais velho, vai se juntar à direita e fazer um enorme estrago, por ideologismo. Pode ser que haja um assalto ao Estado e o Brasil é apenas um país no planeta, não é mercado. É uma proposta de que viver é possível, e meu país é um exemplo de harmonia (im)possível. O que eu fiz o coração não diz, está feito, está feito. Como quase já não há comunista vivo, eu tenho medo de que os civis vacilem quando chegarem ao poder, e não façam nada. É por isso que eu lhe digo que não posso ir com você, para Quito¨...
CAPÍTULO CCLIX
...¨Por que? No te gustaria ir? Tenia tantas ganas de levarte a Quito!¨...
...¨Você não sabe quanta saudade que eu tive da Ladeira do Sol, quando estava em Brasília! Além disso, devo ficar aqui, exatamente como o verme que tentaram e tentam fazer de mim. Sou livre para agir sozinho, perto do poder. Sem compromisso com ninguém, sem ser notado, como a mosca na sopa, perturbando o sono de quem não merece dormir. Muito mais brasileiro. Depois de tudo o que passei!¨...
Para recapitular o espírito daquela época, procurou concentrar-se...
...¨Minha alma, hoje, anda mais quieta. Sabe o que fiz, faço e farei. Desde 1975 estive em Brasília, Rio de janeiro e São Paulo, vária vezes. Fazia o quê? Tudo o que dependia de mim. Sou comunista, sou um revolucionário da humanidade. Não tenho posses, família, amigos, meu círculo de dia-a-dia é muito restrito. Tenho amigos? Na hora de agir, agi, ninguém pode negar, todo mundo viu. Mais pacificador do que pacifista. Minha vida é que nem jogo do bicho. Tudo o que fiz na mesma época escrevi e publiquei. Vale o que está escrito nos jornais por onde passei, sempre publiquei onde houve espaço minhas “palavras de ordem”. Lamento ter causado sofrimentos, e lamento ter sofrido¨...
...¨Samuel me contou tudo, amor. Tudo o que você passou! Que barra! Sabe? Eu sei que você é inocente, mas, se consideramos as circunstâncias e levarmos em conta tudo o que aconteceu, você é um sobrevivente¨...
...¨Só se for de um passeio pelo inferno; eu sou a voz de um sobrevivente, Isabel. Mas está bem, apesar do que aconteceu, e isso é o que importa, porque gente como você não existe mais. Não se preocupe, daqui para frente será o que tiver que ser¨...
...¨Todos nós somos sobreviventes, Isabel, e a diferença esta no fato de que eu era um sonhador feliz, e agora não sou nenhuma coisa nem outra, sou aquele que faz porque tem que fazer. Mas a verdade é que tentaram me destruir, psicologicamente. No fundo, você tem razão e posso dizer que sobrevivi à guerra¨...
...¨Quem quer se libertar das verdades estabelecidas¨, comentou ela, logo é condenado. Sócrates pagou com a vida pela sua liberdade de pensar e falar bebeu cicuta por isso, e antes dele Anaxágoras morreu por ter dito que o sol é uma massa de fogo e pedra, e não um d(eu)s; e, por ousar enfrentar o poder da Igreja, o peso da tradição e dizer que a terra girava em torno do sol, por muito pouco não queimaram Galileu, mas, por enxergar outros infinitos, o monge dominicano Giordano Bruno não escapou da fogueira da Inquisição. Também, riram-se de Colombo por ter dito que a terra era redonda. Ou seja, as pessoas só se preocupam com o aquilo que entendem sem esforço, meu amor!¨...
...¨Ou se preocupam com aquilo que não entendem, como d(eu)s, e, principalmente as religiões, não aceitam a evolução do conhecimento científico nem reconhecem a física, outras culturas, se fechando naquilo que consideram sacro¨...
...Educada num internato de freiras de acordo com os mais rígidos princípios da fé católica, não obstante a vigilância das irmãs Dorotéias, desde muito cedo Isabel apercebera-se da nulidade da adoração de imagens. Alicerçara suas crenças em bases sólidas, nas descobertas que a ciência lhe oferecia. Longe das emoções religiosas, despertara no decurso da instrução intelectual a curiosidade por fenômenos estranhos, pouco estudados no colégio, e esta não se extinguiria mais. Interessada por tudo, queria tudo aprender, mas o comunismo fora, ao longo da sua formação, um tabu. Quantas e quantas vezes rezara pelo fim da cortina de ferro? Em Quito, no internato onde vivera cinco anos, usara meias três quartos, saia plissada e carregara no peito a faixa com a cruz de Cristo e a auréola de Nossa Senhora, porém não seguia mais nenhum ritual religioso. Entretanto, mantinha na parede da sala do apartamento a imagem de uma santa equatoriana. Para quê?¨...
...¨Não sei, porque não preciso de imagem entre mim e Ele. Esta foi minha mãe que deu, lembra ela. As imagens existem para se louvar lembranças¨...
...¨Algun dia se sabrá con exactitud lo que ha passado¨, disse Isabel, ¨só se saberá o efeito disso tudo em muitos anos¨, insistiu, ¨porque a verdade é inatingível no seu tempo; a reta da história sempre exige punições¨... .
..¨Alguém já disse que os mortos hão de viver e seus cadáveres se levantarão¨, disse ele, e confessou porque nunca se arrependera do apoio incondicional ao alemão e aos militares, e a história estava ali, à frente de todos, para prová-lo...
...¨Eu faria tudo de novo¨...
...Respirando fundo, abraçando-a, continuou a explorar os fragmentos da história, utilizava-se de todos os recursos que lhe oferecia a memória para continuar a pregação...
...¨A juventude deve ser preparada por todos nós, até na escola, para esclarecer às massas marginalizadas, que nunca tiveram participação política e sempre só tiveram o direito de assistir a história ser feita pelas elites, sobre o futuro que as espera. Até onde a ganância vai nos levar? Sei que o capitalismo produziu uma revolução tecnológica fundamental para o desenvolvimento da humanidade, a ponto de tornar a sobrevivência impossível no planeta. Se não liquidarmos logo esta nefasta fórmula de convivência humana, o destino da humanidade será de tragédia; e não será com reformismo nem com assistencialismo. Na maioria das vezes, quando um governo atenta para a fome da população, o faz por mea culpa, é algum governante tentando ajudar ao pobre para alcançar a graça divina. A pobreza não merece pena nem solidariedade; merece a decisão de dividir o prazer de ter e dar, porque a esmola humilha e parte o coração de quem recebe. Ninguém quer caridade. Fazer assistencialismo com dinheiro público é coisa típica da caridade institucional da democracia burguesa. Não é solidariedade. Todo mundo quer ser digno, nada mais, e há várias maneira de ser-se digno. Não é a posse quem diz se sou ou não sou digno; sou digno por ser um ser humano. Claro, se alguém ao meu lado não tiver o que comer, repartirei com ele. Vai resolver? Claro que não! Para resolver, só acabando o capitalismo¨...
...Fez mais uma pausa, deu outra remexida na memória e a lembrança de um exemplo recente, que alterara a vida de todo mundo, clareou a dúvida...
...¨O mundo precisa de muita calma. Se os árabes não tivessem usado o petróleo como arma, na guerra contra Israel, até quando teríamos esta fonte de energia, que é de origem fóssil, esgotável? O consumo é inferior ao tempo necessário, milenar, para a produção. E aumenta sem precedentes, porque o apetite é voraz e o mundo está viciado em petróleo. As fontes são limitadas, o aumento de consumo é progressivo. Afinal, alguém tinha que dar aos consumistas uma visão diferente, apocalíptica, e dizer, parem! O petróleo é natureza mineral! É preciso agir de acordo com a natureza, o petróleo é essencial, um bem necessário à vida e a natureza pode nos dar tudo, água, energia, só não pode nem deve ser propriedade de ninguém, especialmente se estiver em jogo a sobrevivência. A natureza deve ser doada para todos¨...
...¨E poupada, amor¨...
...¨Por quê interromper os cursos de tantos rios, com tantas usinas hidrelétricas? Às vezes, é melhor não produzir energia para não alterar todo um sistema. Existe tecnologia para domar a natureza e também não dominá-la, pelo equilíbrio¨.
CAPÍTULO CCLX(261) ¨Marx pregava que a transformação da sociedade se dará naturalmente, de forma gradual. Ele disse no Manifesto Comunista de 1847, que todo mundo devia ler, mais do que nunca, que as revoluções não são feitas deliberada e arbitrariamente, sim a partir das massas, única forma de se atingir o individual. Nas sociedades as mudanças só ocorrem se partem do geral para o particular. Sempre, e em todos os lugares, as revoluções aconteceram devido a circunstâncias quase totalmente independentes da vontade deste ou daquele grupo ou partido determinado. Há um processo em marcha, Isabel. Contínuo. A propriedade privada estará totalmente abolida quando os meios de produção passarem a ser usados nas quantidades que realmente a humanidade necessite. Tudo isso é muito simples, não tem nada de complexo. Se não houvesse a União Soviética, que hoje é um estado armado em defesa de estados, uma superpotência militar com um arsenal atômico capaz de destruir o planeta 300 vezes, o socialismo teria outro rumo¨...
...Isabel suspirou, triste...
...¨Talvez não dê tempo de chegarmos a uma sociedade feliz¨...
...¨Isso preocupa, sim, mas haverá tempo e será mais rápido se vocês, mulheres, saírem de casa e tomarem a frente das mudanças. Essa relação de subordinação ao homem é danosa à humanidade; assim, nunca haverá imparcialidade. Chega de machismo. Talvez o mundo esteja tão ruim porque nesses últimos dez mil anos somente o homem governou. Esta bipolarização, assim como a guerra ideológica, tem que acabar, e eu até acho que nós, marxistas de todo o mundo, da Rússia ao Brasil, cederemos primeiro, para evitar o holocausto. Porque os marxistas sabem que o marxismo nunca vai acabar, que a luta dos contrários existe e é maior do que a inicial, entre homem e mulher, entre capital e o trabalho¨...
...¨Entre homem e mulher?¨...
...¨Tudo se resume à dominação, Isabel, e isso não acabou nem vai acabar assim, de graça. A luta está aí, a de classes e entre os sexos e da de classes, desta, eu entendo. Quando a classe operária estiver organizada não em sindicatos, mas numa central sindical, formando um partido operário e socialista, de massas, que seja capaz de transformar uma greve de massa em greve política e sucessivamente em greve revolucionária em insurreição, com a tarefa de criar um mundo novo e melhor, apoiado pelas massas, então poderá chegar ao sonho de Marx, Lenine e Engels, ao governo de quem trabalha, edificando uma sociedade sem classes. A transição terá que ser feita a partir da expropriação das riquezas e sua distribuição igualitária. Foi Marx quem disse que a emancipação dos trabalhadores só virá e terá valor se for obra dos próprios trabalhadores e só virá com a derrubada da burguesia, em todos os países. Ele entreviu a ruína do capitalismo, que alimenta a própria destruição e inevitavelmente cederá lugar a um sistema melhor e mais justo. Quando atingir a totalidade do mercado mundial, nada mais escapará à lógica do capital e o capitalismo voltar-se-á contra si mesmo e será totalmente eliminado, num futuro não muito distante. Primeiro, já estamos vivendo um processo de expropriação mútua onde números, cifrões, papéis e moedas se entredevoram¨...
...¨Será que já está acontecendo isso, amor?¨...
...¨Em termos históricos, vinte, trinta ou cem anos às vezes nada significam. Todos os sistemas trazem dentro de si mesmos os embriões da destruição, por isso, tendem a desaparecer, e capital e trabalho são contradições permanentes, uma destruirá a outra, independente da repressão e da esquerda incompetente e intolerante... Não é confortante, esta certeza? A gente poder jogar esta verdade na cara dos pequenos burgueses que se dizem comunistas, e da própria burguesia?...
...Enchendo a taça, beliscou um queijo de qualho e bebeu mais um gole de vinho para prosseguir o ´discurso´...
...¨O sistema econômico será julgado como um todo, pela justiça humana e o juiz que condenará o regime capitalista não será a justiça divina, Isabel. E ainda há quem diga que o comunismo é uma utopia! Na minha opinião, utopia é falar de distribuição, repartição ou redistribuição de rendas e riquezas; na pior da hipóteses, o comunismo seria a socialização das riquezas de um povo. Repartir bens com os pobres é piada! Não é? Qual capitalista abriria mão do conforto em benefício dos desafortunados?¨...
...Para responder a uma pergunta de Isabel sobre o Estado, pelou a Lenine...
...¨Ele definiu o Estado como uma força acima das classes e ao mesmo tempo, o produto da manifestação irreconciliável das classes; em síntese, um mecanismo institucional de domínio de uma classe sobre as outras. O que está no Manifesto ainda é uma definição atualíssima, de que o poder político do Estado moderno nada mais é do que um comitê administrador dos negócios comuns da classe burguesa. Com a concentração do capital cada vez mais nas mãos de poucos, a função do Estado resume-se a manter o sistema de propriedade privada, gerenciar os conflitos e, não, realizar o bem comum ou administrar os interesses contrários, cuidar da coisa pública, que seria a função ideal do Estado capitalista, mas, pelo menos aqui, em meu país, por mais que se busque estruturá-lo sobre o princípio da igualdade jurídica, o Estado não será nada além de um instrumento de dominação, de poder, uma organização política que agirá cada vez mais como agente econômico, um administrador de mecanismos que, quando interferir no mercado, será para disciplinar ou incentivar a recuperação da economia, em defesa dos grandes capitais. Claro, com ou sem a esquerda, será também o órgão ideal de opressão de uma classe sobre as outras, para proteger a propriedade privada da burguesia, dirigir a sociedade com um sistema judicial ineficiente, corrupto, corruptor, para favorecer os ricos e poderosos, regular a economia e defender os interesses imediatos da classe dominante. Como o Estado é onipresente e burocrático, sem dúvida sempre será o melhor instrumento de dominação da classe dominante. A esquerda não vê isto, Isabel, porque ela nunca quis acabar com o capitalismo. Reformista, atrasada, ela quer o Estado, e nada mais, porque sabe que, se a força coercitiva do Estado, as instituições governamentais e os partidos deixarem de existir, aí, sim, haverá o exercício da liberdade plena; e ela, a esquerda, tem medo da liberdade, porque, se não houver a quem reprimir, sem o controle de nenhuma autoridade imposta, será possível criar uma sociedade mais tolerante e justa, mais fraterna e, acima de tudo, livre, baseada na ajuda mútua, cooperação, em que as relações entre os homens se basearão no trabalho e na necessidade. Quem controla o Estado são os ricos, Isabel. Felizmente, o Estado não é uma coisa autônoma, que tem vida própria; parece que existe só para cobrar impostos, porque é instrumento de poder da classe que o domina. No dia em que a democracia voltar a vogar, o Estado deverá ser conquistado por uma classe, depende do povo e será pelo voto; o futuro decidirá, embora eu não creia que a burguesia abra mão dos seus 400 anos de domínio, tão cedo. Ela vai fazer alianças, ceder um pouco aqui, outro pouco ali, travestida de maioria para permanecer extorquindo o povo. Meu sonho é que haverá um dia, no Brasil, em que a propriedade privada será abolida totalmente, assim como a propriedade dos meios de produção, que será coletiva, única forma capaz de nos conduzir ao socialismo. Se não houver isso, e enquanto não houver isso, assim que os militares saírem, chegarão a esquerda, os aventureiros e oportunistas de direita, uns mais radicais outros menos, para comerem na mão da burguesia e do capitalismo financeiro internacional. Não é preciso ser vidente, a realidade está aí. Quem são os verdadeiros democratas? A esquerda? Representam quem?¨...
CAPÍTULO CCLXI
...”Por quê acabar com a propriedade?¨, interrompeu Isabel...
...¨Mi padre tiene una emplea, cuidado!¨...
...¨Porque a propriedade é um roubo!¨, disse ele, rindo, ¨o Pedro José francês, pai do anarquismo, Pierre-Joseph Proudhon, o disse e Lenine, claro, concordou com ele. A propriedade é o maior dano à vida e à estrutura social. Só existem duas classes, a que só possui uma coisa, a força de trabalho, e a outra, de uma minoria que só tem como objetivo o prazer e o lucro, e o Estado é o fiador desta opressão, é quem legaliza a ordem e amortece os choque entre as classes sociais. É por esta razão, para perpetuar a dominação, que as classes dominantes o dotam com meios coercitivos do tipo polícia, exército regular, instrumentos de exploração e repressão, usados para perpetuar uma ordem social injusta. Como está dito no ´Manifesto´, as proposições teóricas dos comunistas não se baseiam de forma alguma em idéias, em princípios inventados ou descobertos por esse ou aquele reformador do mundo. São apenas a expressão geral das condições efetivas de uma luta de classes já existente, de um movimento histórico que se desenrola sob nossos olhos. A abolição das relações de propriedade que até agora existiram não são a característica definitiva do comunismo. Por exemplo, foi em favor da propriedade burguesa que a Revolução Francesa aboliu a servidão rural, acabando com a propriedade feudal e nos Estados Unidos, a Revolução Americana distribuiu de forma igualitária as terras públicas enquanto que Emiliano Zapata e depois o governo mexicano, ao custo de um milhão de mortos, tirando terras de grandes fazendeiros e redistribuindo-as entre vários, menores, multiplicou o número de proprietários e fez a maior reforma agrária da história. A verdade é que todas as relações de propriedade estiveram sempre submetidas a uma contínua transformação. Foi com um decreto assinado no dia seguinte à tomada do poder, em outubro de 1917, que os soviéticos aboliram a propriedade privada da terra, expropriaram-na em nome de um único grande patrão, o Estado ou a sociedade, enfim, de todos, e nesse sentido o comunismo pode resumir sua teoria nessa única expressão, abolição da propriedade privada. É comum nos acusarem de querermos abolir a propriedade adquirida pessoalmente, fruto do trabalho do indivíduo, a propriedade que, dizem, é o fundamento de toda a liberdade, de toda atividade e de toda independência pessoais; a propriedade adquirida, fruto do próprio trabalho e do mérito pessoal! A propriedade do pequeno burguês, do pequeno camponês, que antecedeu à propriedade burguesa já foram abolidas pelo desenvolvimento da indústria, são apenas formas de se pagar impostos. A propriedade na sua forma atual move-se no interior do antagonismo entre capital e trabalho assalariado. O capital não é uma potência pessoal; é uma potência social. É um produto coletivo que só pode ser colocado em movimento pela atividade comum de muitos membros da sociedade e mesmo, em última instância, pela atividade comum em todos os membros da sociedade¨...
...¨Você ainda tem o Manifesto Comunista?¨...
...¨Isabel, por incrível que pareça todos os meus livros ficaram no acervo do desquite, menos um, o Manifesto, que estava emprestado e recentemente me foi devolvido. Está na casa da minha mãe. Quer saber? De vez em quando releio, já sei até de cor, alguns trechos. Ser capitalista, como já dizia Marx, significa ocupar na produção não somente uma posição pessoal, mas também uma posição social. Lenine dizia que a primeira tarefa de um partido de trabalhadores, representante da classe operária militante, deveria ser a destruição da ideologia burguesa e do aparelho estatal burguês, que precisam ser substituídos por um novo Estado, à serviço da maioria social para poder estabelecer, num programa de transição e reestruturação econômica do capitalismo, com planejamento estratégico de longo prazo, a propriedade social dos meios de produção. Espero que isto um dia aconteça no Brasil, uma ruptura democrática que leve em conta a realidade social concreta, com apoio popular que resulte numa reforma profunda da base econômica, ou seja, do Estado, das instituições políticas, jurídicas. Lenine também disse que, sem uma revolução violenta, a substituição do Estado burguês seria impossível. Talvez. Esta afirmação ele fez em 1902 e muita coisa mudou, está mudando, não é verdade? No Brasil, pelo menos, que é diferente de tudo no mundo, onde as coisas parecem que acontecem pelo avesso. No caso do Brasil, quem domina o Estado são os mesmos homens que financiaram a expedição de Cabral, que escravizaram nossos antepassados, que derrubaram as matas, plantaram cana-de-açúcar, café, enfim, a burguesia, mais do que nunca atrelada e dependente dos bancos e das multinacionais que são, na verdade, exércitos desarmados das grandes potências, os governos não têm controle sobre elas e elas avançam cada vez mais contra nosso povo, explorando-o com o monopólio, pagando salários baixos, levando as riquezas naturais, comprometendo o bem-estar da humanidade¨...
...¨Igualito a mí país! Igualito a toda Latinoamérica!¨...
...¨As multinacionais nada mais são do que uma forma sofisticada de imperialismo econômico. Organizam cartéis, dispõem de capital, exportam mais capital do que mercadorias e podem suportar prejuízos durante longos períodos, por vários anos seguidos. E isso torna praticamente impossível para as empresas nacionais, sobretudos as pequenas, enfrentar a concorrência delas. Não é justo. Não é uma lei natural. A pequena empresa desaparece, é vendida a conglomerados multinacionais, que se aproveitam da fragilidade e desnacionalizam as economias dos países porque podem se dar ao luxo de recorrer a vendas abaixo do preço do custo. As pequenas e médias empresas são vítimas do atraso tecnológico. Também é por isso que a concorrência as engole. As multinacionais são a última defesa do capitalismo. Quando os países se constituírem como democracias participativas, organizadas de baixo para cima, então poderão decidir o destino do mundo, o que será melhor para a humanidade¨...
...Ele prosseguia, apaixonadamente, ofegante...
...¨Lenine previu uma etapa superior do capitalismo, era final de aprimoramento do capitalismo, e pouco depois dele morrer houve a crise de 1929¨...
...¨Como assim? Explica, por favor¨...
...¨Se de 1914 a 1918 os EUA combateram a Alemanha, ficando geograficamente longe do conflito, aproveitaram para atender os mercados americano, europeu e latino americano, quase com exclusividade absoluta, e aí a economia americana cresceu como nunca, aceleradamente, as empresas passaram a produzir cada vez mais e isso gerou uma superprodução de mercadorias, seguida de uma queda generalizada nos preços, o que forçou a redução no ritmo de produção, industrial e agrícola; de repente, o consumo de produtos caiu e o resultado foi que, em excesso, as mercadorias passaram a ser estocadas, as empresas diminuíram os lucros e consequentemente suas ações sofreram uma queda vertiginosa, perderam quase todo o valor financeiro e as pessoas começaram a se desinteressar, tentando se livrar delas, cujos preços, à medida em que começaram a cair, fizeram aumentar a oferta dos papéis, o pânico a contaminou quem as possuía, vieram a demissão em massa, a renda do trabalhador da indústria e da agricultura caiu e é esta etapa que vivemos, em que os estados capitalistas, isoladamente ou em blocos, lutam entre si, para expandir-se. Nesta etapa do capitalismo, dentro de sua própria casa, Nova Iorque, os EUA abrigam e mantém o Fundo Monetário Internacional, inventam acordos alfandegários para impor a livre concorrência e a doutrina de livre comércio, utilizando na competição com os países mais pobres, barreiras tarifárias com a finalidade principal de proteger os altos salários internos, o que os torna mais forte, pelo avanço da tecnologia, que permite cada vez mais a produção em série, em massa e em grande escala, o que reduz os custos por unidade e aumenta o volume da produção num ritmo mais rápido do que a capacidade e a necessidade de consumo.
CAPÍTULO CCLXII
...¨Sabe uma coisa que me entristece, e muito? Um por cento da população do meu país detém 80% da riqueza nacional, proporção que é a mesma no resto do mundo, onde 80% das riquezas do planeta estão nas mãos de 30 países. Não é um absurdo? E quanto a Amazônia, a primeira coisa que se deve fazer é conservá-la, por ser um tesouro ecológico, o maior e mais sagrado manancial de riquezas, maior banco genético do mundo, maior província mineral do planeta, um santuário natural, de grande importância para o país e para o mundo? Você sabe o que se passa por lá?¨...
...Ao escutar a defesa amazônica, ponto em comum entre brasileiros e equatorianos, ela assentiu com agrado, sorriu com satisfação e ele, com um pensamento fervilhante, acendeu a imaginação...
...¨A Amazônia está sendo ocupada desordenadamente por sulistas de sobrenomes europeus, com menos de 100 anos de Brasil, mas que se dizem brasileiros, quando todo mundo sabe que deixam o país em segundo lugar e só pensam numa coisa, como os avós e pais, no dinheiro. Vão em busca das riquezas propaladas desde o descobrimento, mas tem uma coisa que ainda não sabem, que essa ´interiorização´ civil para tirar o Brasil do litoral deveria parar onde está. O governo sabe disso, que as notícias de riquezas cada vez mais atraem migrantes, milhares de sulistas e paulistas que já desmataram seus estados e, em conseqüência da má ´distribuição´ de terras, a pretexto de se solucionar as tensões sociais resultantes da pressão das crises fundiárias e dos conflitos agrários, no Sul, outras terras estão sendo invadidas, em Rondônia, Goiás, Pará, Mato Grosso e Acre¨...
...¨Por quién?...
...¨Por um tipo de gente que não vê árvore, vê madeira, que não pensa na natureza nem em resguardar espécies animais ou vegetais, que só pensa nela mesma e que jamais respeitou a dignidade indígena! Se não amam o planeta, talvez sequer amem a própria espécie à qual pertencem. O índio é visto como um ser humano menos desenvolvido, como o negro era visto pelos colonizadores e a Igreja Católica dizia que nem alma possuía. Os Caingangues, Minuanos e Charruas, quase desapareceram, e foi o descendente do colono europeu que destruiu seu modo de vida, quebrando o elo espiritual do índio com a terra e seus ancestrais. Hoje, os índios do Sul e de boa parte do Centro-Oeste, praticamente não têm onde cair mortos, confinados que estão em áreas minúsculas ou em aldeias superpovoadas. As áreas que ocupam no extremo norte do Rio Grande do Sul, na fronteira com Santa Catarina, perto de Xapecó, e no Paraná, não oferecem as condições mínimas à sobrevivência. Não há espaço para todos. Tornaram a mata, a morada do índio e única herança de vida, onde aprenderam com os antepassados a liberdade de viver, inabitável. O índio tirava da mata e do rio o seu sustento, comia de graça e não precisava pagar nada, porque a natureza dava-lhe de tudo. Hoje, em muitos lugares, não vive mais nem da caça nem da pesca. Depois de usurpadas as terras e derrubada a mata, acelerou-se o processo de descaracterização cultural. O pior é que o extermínio consentido já chegou em Barra do Garças e Cáceres, na fronteira de Goiás com Mato grosso, caminha para a Amazônia Oriental, no Maranhão, e continua em direção à Ocidental¨.
AMANHÃ OS CAPÍTULOS CCLXIII, CCLXIV, CCLXV, CCLXVI, CCLXVII E CCLXVIII
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